ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE WEISKIRCHEN E TRIER
1 TRIER.
A Dom St. Peter ou a Catedral de São Pedro é a mais antiga igreja da Alemanha. A catedral, construída no século XI, incorporou os restos de uma antiga igreja do Século IV. Tem a forma de basílica com nave tripla, dois coros, transepto e seis torres. Será que nossos antepassados a conheciam, visto que a distância é apenas um pouco maior do que a de Floresta a Santa Cruz, ou sejam 36 kms? Com o acréscimo de ali se conservar a Túnica de Cristo, conforme a tradição católica do local.
2 TRIER.
A Túnica Inconsútil de Jesus ou o Manto da Crucificação, conforme tradição milenar, conserva-se na Catedral de São Pedro de Trier. Diz a história que Santa Helena, mãe do Imperador Constantino Magno, teria encontrado a túnica na Terra Santa, no século IV. Carlos Magno (século VIII) a teria levado à região do Reno. Somente no século XII é que a túnica foi introduzida na igreja de Trier, a primeira cidade cristã ao norte de Roma. É mantida atrás do altar-mor, conservada numa arca para preservá-la do tempo.
A Túnica ficou conservada durante o período de 1628 r 1794 na fortaleza de Ehrenbreitstein, perto do Coblenz. O arcebispo de Trier, Clemens Wenzeslaus levou a relíquia para Augsburg e, de lá, ela só voltou para Trier em 1810.
3 WEISKIRCHEN.
Em visita ao local, percebemos logo que o povo pronuncia o nome de sua cidade como Weiskerschen. Sandino lembrou-se imediatamente de seu avô, João Hoff, de Floresta, Vera Cruz, RS, que na década de 1950, também falava da mesma forma: – Ich gehe in der Kersch. (Vou para a igreja). Muitas pessoas, que moram ao longo dos rios Saar, Mosela e o Reno ainda falam o dialeto francônio do Reno, mas, em geral, fala-se o Hochdeutsch. Ao chegar à praça central de Weiskirchen, ouvimos a seguinte frase pronunciada por uma moça que, casualmente, estava passando a nosso lado: – Neh! Ich han´s noch net. (Não. Ainda não tenho).
A viagem por esta região faz-se com tranquilidade por rodovia e por trem. A linha ferroviária de Merzig a Trier segue o curso do rio Saar, em paisagens lindíssimas O trem Luxemburgo-Trier segue ao longo do rio Mosela; na cidade de Konz, o Mosela recebe as águas do rio Saar e corre para o rio Reno. Neste percurso, ocasionalmente, ainda ouvimos a pronúncia de “Dat”: “Dat geht gut!”. Também: “Ich täd’s sahn”, em vez de “Ich würde es sagen”; e, no Saarland, ouviam-se palavras como: Gemeent (Geemeint), Boom (Baum), Geroscht (Gerauscht). Nossos antepassados viveram aqui!
É preciso, porém, ressaltar que a população em geral fala o Hochdeutsch.
No restaurante, em Weiskirchen, havia boa comida e um bom vinho tinto seco. Enquanto almoçávamos, vários casais foram conversar conosco. Estavam interessados em nós, no Brasil e na visita que fazíamos à terra de nossos antepassados que saíram de Weiskirchen há 150 anos.
4 REGIÃO DO HUNSRÜCK
A região do Hunsrück é uma serra de montanhas baixas, localizada em parte no Palatinado do Reno e em parte no Saarland, como indica o mapa 1. Muitos de seus montes são geralmente de 400 metros de altura, como o Hochwald de Weiskirchen. Porém, há vários picos notadamente mais elevados na serra do Hunsrück, cada qual possuindo nome próprio. Por exemplo, o monte Schwarzwälde, o pico Idarwald, o Soonwald e o Binger Wald. O mais elevado de todos é o pico Erbeskopf, de 816 metros de altura.
O clima do Hunsrück caracteriza-se, sobretudo, por ser bastante chuvoso. A região também é conhecida por suas minas de ardósia. O Hunsrück se situa dentro da região franco-renana e é cercado pelos rios Mosela, Nahe, Reno e Saar, cujos vales são muito férteis, com abundância de vinhedos e com a principal produção do vinho Riesling.
A palavra Hunsrück remete aos hunos, em alemão Hunnen, um povo nômade do século IV que do leste europeu levava seus rebanhos para regiões onde havia água e pastos e que chegou às costas de montanhas, denominadas de Hunsrück, ou seja, Costa dos Hunos. Era um povo valente, carregava espadas para defesa dos rebanhos e seus homens eram excelentes cavaleiros para defender o gado e os pastos. Em séculos posteriores, os hunos retornaram ao Leste e se estabeleceram em terras húngaras.
5 RHEINLAND-PFALZ E SAARLAND
O Rheinland-Pfalz, onde se localiza Trier, tem por limite oriental o rio Reno. O rio Saar corre pelo Saarland e entra no rio Mosela, que, depois de Trier, recebe as águas do rio Kylll e,em Koblenz, entra no rio Reno, como se observa no mapa 2. O rio Nahe nasce no Saarland e deságua no rio Reno depois de passar pelo Rheinland-Pfalz.
Weiskirchen faz limite com o Palatinado. (Mapa 3) e se situa a 36 km da cidade de Trier.
À esquerda do Mapa 3, o rio Mosela; no meio o rio Saar; e à direita de Weiskirchen, o rio Nahe. A distância entre Weiskirchen e Merzig é de 22 km.
A população de Weiskirchen é de 6.316 habitantes. Das janelas de suas casas os moradores avistam matas de pinheiros nas encostas dos morros.
Despedimo-nos dos Tannenbäume e da terra de nossos antepassados, dizendo: Wie grün sind deine Blätter! (Como são verdes tuas folhas!).
Novas Informações
- A nova consulta realizada no Bistumsarchiev forneceu um novo dado não registrado anteriormente. Refere-se ao um filho do casal Nikolaus Wagner e Barbara Becker quando ainda moravam em Weiskirchen. Além dos filhos Peter (1841), Mathias (1848), Susanna (1844), Barbara (1846 e falecida em 1857), Angela (1851 e falecida em 1852) e Johannes (1853, falecido em 1855), todos nascidos em Weiskirchen, nasceu um sexto filho em 1857, sem nome, que morreu na mesma hora em que nasceu.
- Margaretha Hoff, casada com Jacobo Wagner, nasceu conforme o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, em 1825, registrada com presumível idade. A Paróquia Santa Teresa registrou o óbito de Margaretha, que teria nascida em 1829. Em nova consulta dirimiu-se a dúvida: Margaretha nasceu a 07 de março de 1827 em Weiskirchen.
- Uma canção com conteúdo significativo foi encontrada no Bistumsarchiev. Trata dos migrantes alemães para o Brasil. A estrofe principal dizia o seguinte:
Wir treten jetzt die Reise um Land Brasilien an
Sey bei uns, Herr, und weise, já mache selbst die Bahn
Sey bei uns auf dem Meere mit gnadenreicher Hand,
So kommen wir ganz sicher in das Brasilienland.
(“Brasilienland”, In: MERGEN, Josef. Die Auswanderungen aus den ehemals preussischen
Teilen des Saarlandes im 19. Jahrhundert. Band 20. Saarbrücken, 1973).
Tradução literal:
Iniciamos a viagem para a terra do Brasil
Esteja conosco, Senhor, e mostre-nos, fazendo também, o caminho
Esteja conosco no mar com sua mão plena da Graça
Assim, chegaremos com segurança à terra do Brasil.
- O livro citado de Mergen cita trechos de propagandas dos agentes na Alemanha e de depoimentos da época: “O Brasil é o sonho do Eldorado”; “A febre brasileira pegou pobres e classe média!”.
O Burgermeister de Merzig (Saarland) escreveu: “Dem Vernahmen nach treiben sich die Leute in den Gemeinde um herr, welche algemein von der brasilianischen Regierungskanzlei aufgefertigte Receptions-Urkunden verkaufen” (ArchievMerzig, Fach 4, Heft 1).
(O que se ouve em toda a parte é que as pessoas da comunidade se dirigem aos que vendem certificados e recepções, de acordo com a Chancelaria do Governo brasileiro.)
Na página 183, Mergen registrou: “Obwohl die Behörden ihr Besonderes Augenmerk auf diese Agenten richten, sind sie überall im Lande tätig, so besonders auch in Trier”. (“Embora as autoridades prestem atenção especial a esses agentes, eles estão ativos em todo o país, especialmente em Trier”).
“Wir wollen nach dem neuen Lande, wir wollen nach Brasilien ziehn. Wo man vor kurzer Zeit nicht einmal wusste, dasz ein Land in der Welt ist, welches Brasilien heisst. Da kommen denn Kesselflicker und andere gelehrte Leute, die das já kennen müssen und erzählen, wie herrlich es in dem neuen Land sei” (MERGEN, p. 183).
(“Queremos ir para o novo país, queremos nos mudar para o Brasil. Onde recentemente nem se sabia que existia um país no mundo chamado Brasil. Lá vêm os funileiros e outras pessoas instruídas que já devem conhecer e contam como é esplêndido na nova terra” (MERGEN, p. 183).
- Conforme pesquisa feita por Mergen, algumas famílias também retornaram à Alemanha, principalmente aquelas que foram parar nas fazendas do café, em São Paulo. A observação de Mergen é importante pelo seguinte: os europeus, inclusive os alemães, que foram para São Paulo, não puderam comprar terras porque não as havia disponíveis; tiveram que trabalhar nas fazendas. No sul do País, porém, os alemães instalaram-se em seu próprio pedaço de terra.
11 O livro de Mergen também traz os emigrantes alemães que eram analfabetos. Muito poucos. Na família Wagner não consta nenhum analfabeto. Na família Hoff, consta a “agricultora Eva Feilen, Witwe Hoff, emigrante em 1862”, como analfabeta. Observe-se que Eva Feilen Hoff nasceu em 1801 e tinha 61 anos quando partiu para o Brasil.
- O livro também faz constar as famílias que saíram da Alemanha de forma não documentada ou ilegal. Ninguém da Família Wagner ou da família Hoff. Todos receberam “Reisse-Pass für das Ausland”, fornecido pelo “Preussige Regierung”.
- Todas as famílias alemães, que se instalaram em São Leopoldo, São Sebastião do Caí e arredores, até 1850, receberam gratuitamente as terras. Conforme o arquivo de Trier, cada família recebia 1.200 Morgen, sendo 40 Morgen de matas; uma casa e galpões, uma horta de 60 Morgen, três cavalos, quatro bois e duas vacas. Isso em 1826, quando o Major Schäfer contratou agentes para principiarem o recrutamento e a viagem. Em 1835, a colonização alemã foi suspensa por causa da Revolução Farroupilha. Os governos europeus também suspenderam a emigração para o Brasil por causa dos fazendeiros do café que, em São Paulo, utilizavam a mão-de-obra europeia como escrava. O suíço Davatz, expulso do Brasil pelos fazendeiros, escreveu um livro na Europa sobre os maus tratos dos alemães e suíços, nas fazendas de São Paulo.
A partir de 1948, retornou a imigração de alemães ao Sul do país. No Rio Grande do Sul, abriram novas colônias ao longo dos rios Taquari, Pardo, Pardinho e Jacuí. Em 1850, surgiu, no Brasil, a Lei da Terra que, num de seus itens, proibia a doação gratuita da terra. Os imigrantes alemães de Lajeado, Estrela, Santa Cruz, Agudo etc tiveram que pagar as terras em 10 anos, conforme se pode verificar nos livrinhos “Dona Josefa” e “Ferraz” de Hoff e de escritos de pesquisadores e historiadores da Unisc.
NOVAS CURIOSIDADES
Os leitores irão encontrar nas próximas páginas novas curiosidades, acrescidas às que já estão postadas, em três momentos: I – A Família Wagner; II – Família Wagner e Família Hoff; III – Família Hoff. Cada uma das três divisões contém subdivisões enumeradas.
I – FAMÍLIA WAGNER
1 Os Primeiros Tempos no Brasil
Para que os leitores tenham uma ideia geral e entender as histórias que vou relatando, apresento, inicialmente, os patriarcas Wagner que emigraram de Weiskirchen, Saarland, Deustschland e fixaram residência em Dona Josefa, Colônia Santa Cruz. Depois, refiro-me à segunda geração que abriu as matas do outro lado da montanha e fez residência na nova aldeia denominada sugestivamente Floresta. Iniciamos entendendo a viagem do patriarca Nicolau Wagner de Weiskirchen a Dona Josefa.
Nicolau e Bárbara Wagner, nascida Becker, são originários de Weiskirchen, na região denominada Prússia do Reno, Alemanha. O casal chegou num veleiro transatlântico ao porto de Rio Grande, veleiro especialmente contratado pela firma alemã que recrutava famílias lá para migrar ao Brasil. O agente fazia os contratos com os emigrantes, ainda na Alemanha, para a compra de um lote em Dona Josefa a pagar após alguns anos. Assim, a família Nicolau Wagner já possuía contrato para o lote 69 em Dona Josefa, antes de embarcar. Isso porque as empresas recrutadoras na Alemanha tinham a contribuição de agentes no Rio Grande do Sul. Exemplo desses convênios foi a empresa de Steinman, Alemanha, associada a Pedro Kleudgen que colonizou Dona Josefa.
O casal, ao atravessar o oceano, aportou em Rio Grande. Desse porto a Porto Alegre viajou no Vapor Continentista. Dos galpões, que recebiam os imigrantes em Porto Alegre, o casal embarcou no vapor “Selbach” até Rio Pardo e, de lá, seguiu até Dona Josefa de carroção pela recém-aberta Estrada da Serra – Rio Pardo a Passo Fundo – que passava na Picada Velha (depois, Picada Nova; Fingerhut e Linha Rio Pardinho). Saindo dessa estrada e atravessando o rio Pardinho, chegou a Dona Josefa. O lote de terras reservado a Nicolau Wagner foi registrado no “Livro de Fundo Imigração, Terras e Colonização”, sob o códice C-234.
Nicolau e Bárbara chegaram ao Brasil em 06 de agosto de 1857, acompanhados pelos filhos: Pedro Wagner, (16 anos); Suzanna Wagner (14 anos); e Mathias Wagner (06 anos).
Em Dona Josefa, 1. Pedro Wagner uniu-se em matrimônio com Bárbara Moser (1887).
A foto 1 é a mais antiga da família Wagner.
- Suzanna Wagner contraiu matrimônio com João Hoff (1864);
- Mathias Wagner com Maria Ana Hermes (1871).
Os filhos de Pedro e Bárbara foram: 1) Pedro Wagner casado com Josefina Reis (1898). Pedro faleceu em 1936; Josefina, em 1956. 2) João Wagner e Paulina Müller. João faleceu em 1958 e Paulina em 1961. 3) Maria Wagner e Jacob Hammerschmitt que contraíram matrimônio em 1895. Maria faleceu em 1831. 4) Henrique Wagner, solteiro. 5) Jacó Wagner e Thereza Sieper, cujo casamento se deu em 1909.
Mathias não teve filhos. Faleceu 8 meses após o casamento.
Susana e João Hoff tiveram os seguintes filhos: 1. João Hoff e Susana Kern; 2. Mathias Hoff e Catharina Scherer; 3. José Hoff e Maria Kern; 4. Jacó Hoff e Carolina Müller; 5. Ângela Hoff e Martinho Heck; 6. Pedro Hoff e Magdalena Loebens.
Tendo contextualizada a genealogia dos primeiros tempos, vamos proceder às Novas Curiosidades que começam com os três primos que estavam vivos no ano de 2000, ano em que iniciamos o levantamento para registrar os descendentes de Nicolau e Bárbara. A enorme coleta de dados que fizemos resultou no livro “Nicolau Wagner e seus Descendentes 1857 a 2000”, editado no ano 2000. O subtítulo seguinte apresenta as três pessoas mais idosas que estavam vivas em 2000.
2 Ana Wagner Hoff, Bernardo Wagner e Otília Wagner Speth
O levantamento de informações feitas em arquivos públicos, bispados, paróquias e em nomes nos cemitérios, foi completado com entrevistas feitas com três personagens da geração viva mais velha em 2000: os primos Ana, Bernardo e Otília.
Ana Wagner Hoff (1917-2006), esposa de João Hoff e mãe de Maria Germana, Sandino e Guido Hoff, nasceu em Floresta, município de Santa Cruz do Sul, hoje pertencente ao antigo distrito e atual município de Vera Cruz, Rio Grande do Sul. Nasceu em 1917 e faleceu em 2006. João Hoff faleceu bem antes, em 1974. Em vida, Vó Ana dizia várias vezes que um tio dela de nome Pedro Wagner mudou-se com a esposa Josefina Reis Wagner, de Santa Cruz do Sul para Serro Azul, nome da atual Cerro Largo, RS, em fins de 1902 ou em 1903. Pedro era neto dos pioneiros Nicolau e Bárbara, filho de Pedro Wagner e Bárbara Moser Wagner e tio de Vó Ana, minha mãe.
Vó Ana também disse que Pedro e Josefina, em 1930, depois de 27 anos morando em Serro Azul, viajaram a Santa Cruz do Sul a fim de visitar a mãe de Pedro, Bárbara Moser Wagner, que estava bastante doente e viria a falecer tempos após a visita. Vó Ana tinha 13 anos e se lembrava de que Pedro, entre outras coisas importantes da família, contou que produzia muito mel e o centrifugava com a ”Schleuderhonig Maschine” e que na grande casa que construíra tinha um amplo e alto porão, de onde saíam os cavalos encilhados e montados em dias de chuva. No ano de 2000, eu pessoalmente vi a casa grande na Linha Santa Cruz, pertinho da cidade de Cerro Largo. Conforme depoimento de Arno Wagner Cig de Cerro Largo, a 25 de novembro de 2023, a casa está muito bem conservada, “intacta, perfeita, muito bonita e está muito bem cuidada; as pastilhas, a lavanderia e as dependências, tudo limpo e em excelente estado”.
Pedro e Josefina criaram 10 filhos que cresceram em Serro Azul, casaram e tiveram filhos, netos e bisnetos. A casa é um monumento material, símbolo da vida e do trabalho de várias gerações descendentes dos pioneiros Pedro e Josefina Wagner!
As informações sobre os descendentes de Pedro e Josefina foram levantadas e fornecidas por Elci Wagner Köhler e Maria Helena Wagner. Elas tiveram a contribuição de muitas pessoas que realizaram a coleta. Todos estavam empenhados em recuperar o tempo, depois de 70 anos de ausência.
Minha mãe Ana também falava de um outro tio dela, o Jacó Wagner, casado com Thereza Sieper, que se mudou para a “região serrana, por volta de 1920”. Ela conta que, anos após, numa noite de Sexta-feira Santa, – dia de completo silêncio e de oração na casa de seus pais João Wagner e Paulina Müller Wagner – a família ouviu tiros de revólver na entrada do portão do potreiro a 300 metros da casa, em Floresta, município de Santa Cruz do Sul. Seu irmão mais velho, Martim, foi encarregado pelo pai para verificar quem estava atirando. Martim levou a espingarda e foi averiguar. Encontrou o Jacó e o genro Evaristo no portão, antes do córrego. Era a primeira e única visita que Jacó fez a seus parentes em Santa Cruz do Sul.
Jacó e Thereza Wagner tinham levado sua residência “para a serra”. Mas, não se tinha notícia para onde o casal havia ido morar. Quando começamos a fazer o grande levantamento para escrever o livro, a busca foi realizada em arquivos de várias cidades do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, sem sucesso. Maria Germana, (Vó Gê), funcionária de secretaria de paróquia, com experiências em busca de informações para efeitos de pregões de casamento, impôs-se a tarefa de buscar a localização da família de Jacó e de seus descendentes. Em 2001, encontrou uma filha do casal Jacó e Thereza fixada em Arroio do Tigre, antigo distrito de Sobradinho, Rio Grande do Sul: Otília Wagner Speth. Era prima de Bernardo e de Ana. Fomos visitá-la em Itaúba, atual município de Estrela Velha, na estrada que vai de Arroio do Tigre a Cruz Alta. Imaginem os leitores! De Vera Cruz a Itaúba são 110 km de estrada asfaltada. Setenta e cinco anos de separação impedida por 110 km! Fomos visitá-la com dois carros: os primos Bernardo Wagner e Ana Hoff Wagner, Maria Helena Wagner, Marli Terezinha Wagner Adams, Francisco Silvério Adams, Maria Germana Kühl Hoff e Sandino Hoff. Na ocasião da visita fizemos o levantamento genealógico dos descendentes de Jacó Wagner.
Como Estefano Speth, esposo da Otília Wagner, tocava um instrumento musical o “bandonion”, originou-se um bailezinho na varanda da casa. Os olhares e os ouvidos das florestas da Serra Geral voltaram-se comovidos para o evento musical e para o movimento das pessoas no compasso do “bandonion”.
Os filhos do casal Jacó e Thereza: 1. Cecília, nascida em 1910: 2. Ana (1912), casada com Giehl; 3. Otília Wagner e Estefano Speth; 4. Blondina Wagner e João Ros; 5. Hilda Wagner e Leopoldo Meiershofer (Filhos: Danilo Lori, Lourdes e Luiz, moradores em Litzenberg, Arroio do Tigre); 6. Regina Wagner e Evaristo Barboza.
Otília permaneceu em Itaúba; as demais irmãs mudaram-se cedo para Tunas, RS, distante de Itaúba 50 km. No ano de 2000, todas as filhas de Jacó e Thereza encontravam-se falecidas, menos Otília. O casal Estefano Speth e Otília estava muito bem cuidado pela viúva de João Bertolo Wagner, Lucila Wagner e seus filhos Cláudio, Luciane, Aldir, Ana Cláudia e Marlene Wagner. É uma família acolhedora e empenhada nos trabalhos, na sua propriedade, onde todos brilham pela sua mentalidade alegre, ali nas montanhas da Serra Geral, principalmente com a ainda presença da idosa avó Otília, luminosa estrela velha…
Em Floresta permaneceu João Wagner, pai da Vó Ana, que criou seus filhos nessa localidade. Os irmãos João, Jacó e Pedro Wagner tiveram mais dois irmãos: Maria Wagner que foi residir em Alto Paredão, Santa Cruz do Sul, com o esposo Jacó Hammerschmitt e criaram seus filhos, netos e bisnetos nessa localidade; e Henrique Wagner que faleceu solteiro. Foi assassinado.
Henrique e o irmão João, ambos solteiros, montaram a cavalo para participar do “Stechklub Verein” (Sociedade Clube dos Lanceiros) e do baile à noite. Eles moravam na parte alta de Dona Josefa, vizinha de Floresta. Não houve nenhuma briga ou discussão durante o dia, nem na noite do baile. Na volta à casa, os dois irmãos sofreram emboscada de dois facínoras. Um deles saiu da mata e segurou os freios do cavalo e o outro tirou a lança do Henrique e a gravou no peito. Fugiram imediatamente na escuridão da mata. João acudiu o irmão caído em sangue e gritou alto na madrugada das montanhas em busca de socorro. Quando os vizinhos chegaram, levaram Henrique de carroça para o Hospital de Santa Cruz do Sul a mais ou menos 20 km. Lá chegando, viveu somente mais uma hora. Antes de morrer, rezou com as pessoas presentes, bem alto, uma oração conhecida entre os cristãos católicos: “Unter Deinem Schutz und Schirm…”. João reconheceu os assassinos, mas a mãe viúva não achou justo gastar dinheiro com advogados e tribunais, visto que “não há quem faça voltar meu menino com um processo”. O menino tinha 19 anos de idade.
Desde 1930, familiares da Vó Ana, seus pais e irmãos, não tiveram mais contato com Jacó Wagner e Pedro Wagner e com nenhum dos descendentes deles. Nunca faltou vontade e sentimento para conhecer os parentes, mas a vida levou cada nova família para a sua sobrevivência em diversos lugares.
3 O Que Era Opaco Ficou Claro
No ano de 2000, um colega meu, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, foi a um encontro de docentes em Cuiabá. Lá encontrou os professores Francisco Adams, Marli Wagner Adams e Maria Helena Wagner que lecionavam no Estado de Goiás, mas nasceram e se criaram em Mato Queimado, RS, onde moram seus pais. O colega viu o sobrenome Wagner e falou com eles. Disse que a mãe do Sandino era Wagner. O contato foi estabelecido imediatamente. O avô das irmãs professoras chamava-se Bernardo Wagner casado com Wilma Kreutz; e Bernardo era filho de Pedro Wagner e Josefina Reis. No telefonema respondi a Maria Helena: – Teu avô é primo de minha mãe!
Setenta anos se passaram sem que de nenhum lado se tivesse qualquer notícia. O sentimento foi comum: a curiosidade de descobrir a origem, a genealogia e a história dos descendentes de Nicolau Wagner e de Bárbara Becker Wagner, nossos antepassados comuns que vieram da Alemanha.
A ponte estendida sobre o passado possibilitou o desencadeamento de uma investigação
A Vó Ana soube, com alegria imensa, que um de seus primos, Bernardo Wagner, estava vivo com 89 anos; ela estava com 83 anos de idade. Teve a felicidade de receber o primo em casa em Vera Cruz, trazido pelos três professores de Goiás, netos de Bernardo e Wilma Kreutz, que estavam de férias em Mato Queimado, terra de seus pais.
Bernardo e Wilma ficaram muito contentes com minha primeira visita, acompanhado por Maria Germana, minha irmã, em 2001. Bebemos um excelente vinho da cantina Bernardo. Na ocasião conheci filhos e netos do casal nonagenário. Bernardo e Wilma moravam na casa de Elci Wagner Köhler casada com Oscar Inácio Köhler que nos acolheram com muita alegria. O tronco Wagner que se formou em Santa Cruz do Sul e o tronco formado em Serro Azul prontificaram-se a resgatar a descendência de Nicolau Wagner e de Bárbara Becker Wagner.
Sandino, Maria Helena, Elci, Vó Ana, Guido, Vó Gê e muitas famílias contribuíram para fornecer os descendentes de Nicolau Wagner que constam no livro “Nicolau Wagner e seus Descendentes 1857 – 2000”. O enorme trabalho de levantamento das informações genealógicas, feito nos estados sulinos, teve a contribuição de muitas pessoas, das quais no momento não me chegam à memória, mas estavam desejosas de participar da composição do livro que mostrou os descendentes do patriarca Nicolau/Bárbara. Só me lembro que foram muitas pessoas e sei que foram de uma importância ímpar.
Inicialmente, dividimos a busca de dados genealógicos em duas partes: na primeira parte, buscamos os documentos nos arquivos públicos, no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (“Fundo de Imigração, Terra e Colonização”; “Contadoria da Fazenda Provincial”, “Inspetoria Geral das Colônias de Santa Cruz”; Inspetoria Geral Serro Azul – 1903-1905”), no Arquivo Arquidiocesano de Porto Alegre, nos bispados, nas paróquias e nos cemitérios. De muita valia foram as visitas feitas a Weiskirchen, Saarland, Deutschland, especificamente ao “Bistumsarchiev” de Trier, Alemanha, que forneceu os batismos, casamentos, óbitos e vida dos antepassados Wagner na Alemanha, desde 1790.
A segunda parte do levantamento ainda manteve a busca nesses arquivos citados, acrescido com depoimentos, entrevistas e informações utilíssimas de dezenas de fornecedores de informações, principalmente sobre pessoas que nasceram depois de 1950. A História Oral contribuiu muito para maior acerto dos nomes. Lembranças, vivências e reminiscências de diversas pessoas da genealogia foram coletadas para compor o livro.
De posse de todas as informações necessárias, começamos, Ana, Maria Helena, Elci e eu, a traçar os capítulos do livro. Pus-me a escrevê-lo, mostrando aos colaboradores cada capítulo que era revisado após as avaliações das colegas coautoras. Ao sair à luz, o livro continha seguramente 96% de todos os descendentes de Nicolau Wagner que haviam nascido antes do ano 2000.
4 Alguns Acréscimos ao Livro
O livro também necessitou de alguns acréscimos. No site https://hoffwagner.com.br, foram incluídas algumas correções. Por exemplo. Consta ali que Pedro Wagner e Josefina Reis Wagner haviam migrado para Serro Azul, utilizando-se do trem até Cruz Alta. Essa informação ficou eliminada quando Bernardo Wagner se recordou de que seus pais levaram 27 dias até chegar ao destino. Isso significa que andaram mais ou menos 15 km por dia; devemos lembrar-nos dos dias de chuva e da difícil ultrapassagem da Serra Geral, realidades que atrasavam a viagem. Foram de carroção subindo a serra. Bernardo também se lembrou do que disse o pai de Josefina na despedida: “Isso é para vocês terem dinheiro para voltar se lá não der certo”, retirando do bolso um pacote de dinheiro e lhes deu. Não voltaram; aliás, só voltaram uma vez em 1930 a Santa Cruz do Sul.
José Wagner e Maria Loebens também necessitaram de informação complementar. O casal mudou-se para Cotovelo, Itapiranga, SC, em 1942. Os filhos e netos do casal foram os seguintes:
1 Teodoro Wagner e Helena Becker (Filhos: Francisco Wagner e Teresinha Bourscheid; Atalíbio Wagner e Nelsi Bourscheid; Aluísio Wagner e Lúcia Bourscheid; Antônio Wagner e Ruhoff).
2 Blondina Catarina Wagner e João Becker. (Filhos do casal: Roque Becker e Síria Juchem; Teresinha Becker e José dos Santos; Alzira Becker e José Speth; Cristina Becker e Sitio Loebens; Aluísio Becker – mudou-se para o Paraguai; e Lourdes Becker – mudou-se para o Mato Grosso).
3 Lucinda Wagner e Huberto Inácio Bach, (Filhos: Bernardete Maria Bach e Luís Carlos Thomé).
4 Agnes Ana Wagner e Canísio Spaniol. (Filhos: Ivete e Mauro).
5 Paulo Wagner e Lourdes Vian (Flor da Serra, Paraná).
5 Felipe Wagner e Lúcia Kestring. (Filhos: Alice Wagner e Benedito Hoffmann; Valdir Wagner e Teresinha von Borstel; Albino Wagner e Elaine Fey).
6 Daniela Wagner;
7 Bernardo Wagner e Madalena Fachin.
8 Teresinha Wagner e Beno Neumann (Filhos: Aluísio Neumann e Carli Kroth; Lúcia Neumann e Roque Lehmen; Afonso Neumann; Canísio Lehman).
5 Romantismo no Final do Século XIX
No ano de 1897, Pedro Wagner, filho de Pedro e Bárbara e tio de Ana Wagner Hoff, estava trabalhando no alto da construção em Santa Cruz do Sul. Tinha recebido o pagamento do mês naquele dia. O salário era pago em dinheiro vivo. Ao final do expediente, Pedro desceu da construção e se retirou para sua residência, esquecendo-se do casaco que o abrigara na manhã fria, pendurado ao alto. Num de seus bolsos estava o dinheiro do mês de trabalho que recebera na hora do meio-dia. Pergunto a todos os leitores: – Quem estava na sala da casa que ficava frente ao prédio em construção? Quem olhou para cima e localizou o casaco tremulando qual bandeira? Pois, foram os olhos românticos da senhorita Josefina Reis que viram o casaco de Pedro a sinalizar a direção dos ventos naquela hora. Ela chamou um senhor conhecido que subiu as provisórias escadas de madeira, buscou o abrigo esquecido ao alto que Josefina devolveu ao garboso pedreiro. O casaco tremulando altivamente, a ela significava a destreza e a habilidade do Pedro em serviço e serviu de ponto fixo para medir a altura de seu sonho em tronar-se a senhora Pedro Wagner. (Entrevista com Ana Wagner Hoff). Todos os descendentes de Pedro e Josefina, de Serro Azul, agradecem ao casaco, símbolo material, que lhes deu altura para enfrentar a vida. Pedro, na profissão de pedreiro, construir o cruzeiro na entrada da cidade e ajudou a construir a catedral de Cero Largo.
A colonização de Serro Azul foi aberta no ano de 1902. Calcula-se que a mudança de Pedro e Josefina ocorreu em fins de 1902 ou em 1903. Isso porque a colonização de Serro Azul foi aberta no ano de 1902 e o registro, em Serro Azul, de batismo do primeiro filho do casal, de nome José Guilherme, data de 09 de janeiro de 1904.
Foto 2 – Família de Pedro Wagner e Josefina Reis Wagner
A foto 2 traz em primeiro plano Pedro Wagner e Josefina Reis Wagner. A seu redor estão os 9 filhos do casal. A 10ª filha, Elci Teresinha ainda não havia nascido.
Muitas famílias Wagner mudaram-se naqueles anos da Colônia Velha para Serro Azul: Mathias Wagner, Franz Wagner, Wilhelm Wagner. Encontrei no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul três pioneiros de Serro Azul com nome Pedro Wagner. Um deles no lote na Linha Butiá; outro no lote da Linha Ala Ocidental; e o terceiro no lote da Linha Primeira. O quarto Pedro Wagner da Colônia Serro Azul e esposa compraram um lote na Linha Santa Cruz.
A colonização privada de Serro Azul foi realizada em 1902 pela Deutsche Bauerverein, tendo à frente o Dr. Horst Hoffmann. A cabeça do movimento foi o Pe. Theodor Amstadt S. J. com suas ideias e práticas associativas. A Associação, posteriormente à fundação de Serro Azul, também realizou a colonização de Porto Novo e de São Carlos em Santa Catarina. O Pe. Jesuíta Max von Lassberg chefiou espiritualmente a Bauernverein e mais tarde a Volksverein. A instituição cooperativa adquiriu, entre o rio Ijuí e o rio Comandaí, a “Estrada de Ferro Noroeste”, terras de mata virgem. A divisão dos lotes e das linhas (aldeias) obedeceu às normas de colonização. A grande maioria dos lotes foi adquirida por colonos católicos, visto que os colonos de confissão evangélica luterana preferiram localizar-se em Neu Würtenberg (Panambi).
A região desenvolveu-se rapidamente. A linha ferroviária alcançou Cruz Alta em 1894, Ijuí em 1911 e Santo Ângelo em 1915.
6 A Tosse Aguda e o Chimarrão de João Wagner.
João Wagner, unido em matrimônio com Paulina Wagner, foi o irmão de Pedro e pai de Ana Wagner Hoff. Ele ficou morando em Floresta, enquanto sua irmã Maria Wagner foi residir na terra dos Hammerschmitt no Alto Paredão; Pedro mudara-se para Serro Azul; e Jacó foi para o interior de Sobradinho. Já sabemos que o outro irmão, o Heinrich, foi assassinado numa emboscada.
Todas as pessoas que o conheciam podem lembraram-se de que meu avô João Wagner, pai de minha mãe, padecia de asma crônica. Acostumou-se ele a tomar chimarrão durante o dia para aliviar o peito. Ele, já com os filhos nascidos, teve que viajar para Porto Alegre e, depois, para o Rio de Janeiro (Klein Rio) para fazer tratamento da raiva, transmitido a ele por um cachorro que o mordeu e saiu salivando até ser morto com um tiro. Voltou curado. É certo que o cão não lhe transmitiu raiva; apenas tinha aparência de raivoso, porque raiva não tem cura. O importante foi que a saúde voltou a seu corpo.
7 Bernardo e o Irmão Raimundo Wagner: carroceiros com três juntas de bois.
Banha, carne de porco fritada e conservada em banha na lata, manteiga, fardos de alfafa e outras mercadorias eram carregadas pelos filhos Bernardo e José Guilherme no carroção de Pedro Wagner, entre Serro Azul e Santo Ângelo, distante 70 km. Os carroceiros levaram feijão a Santiago, distante 150 km. Carregaram pranchas para a construção de pontes em São Borja, distante 170 km, numa época em que um filho de São Borja era presidente da República Brasileira. Para a Colônia Sommer (Pirapó) carregaram um tanque de vapor para mover serraria. (Entrevista a Bernardo realizada por Elci Wagner Köhler).
Dona Wilma Kreutz, esposa de Bernardo, narra que a mudança de São Luiz Gonzaga, feita alguns dias após seu casamento com Bernardo, ocorreu em 1933. Destino Mato Queimado, onde fixaram residência e começaram a abrir as matas. Foram de carroça puxada por burros. Além deles, a carroça carregava algum enxoval, guarda-louça, mesa, cadeiras e camas. Ao tê-lo dito, Dona Wilma olhou para mim e disse: – E só!
Bernardo me disse que, antes de morrer, Pedro distribuiu as terras entre os filhos e ele recebera meia colônia em Mato Queimado onde morou até morrer. Mato Queimado era um nome significativo! O casal jogava água na casa por causa da fumaça. Era um antigo distrito de Caibaté. Caibaté, na língua guarani, era “mato grande com árvores frutíferas”. Nas terras arroteadas plantaram milho, feijão e arroz. Anos após, o casal comprou a meia colônia de seu irmão Adão que era marceneiro. Posteriormente, comprou a área de seu irmão Edvino Vilibaldo.
O leitor acompanhe o resultado do trabalho de Pedro, Josefina e filhos: ele conseguiu comprar uma meia colônia para cada um dos 10 filhos que deixou em herança. Falecendo em 1936, conquistou seu patrimônio em trinta e poucos anos de trabalho, começando a desmatar as terras.
8 Dona Josefa
Na Colônia Santa Cruz, os agrimensores, Vasconcelos e João Werlang, demarcaram os lotes na colonização de Kleudgen (Dona Josefa e Linha Rio Pardinho), quando o Diretor da Colônia Santa Cruz era Martin Buff. A firma Steinmann recrutava os colonos na Alemanha, fechava contrato dos lotes ainda na Alemanha com os emigrantes e providenciava o transporte transatlântico. No Brasil, agentes privados, como Rheingatz e Kleudgen, se encarregavam de levar os colonos para seu destino. Conforme a Contadoria da Fazenda Provincial (Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul), os prazos (lotes de terras) foram pagos todos e, em 1877, receberam as escrituras.
Nessas escrituras nem sempre constavam os nomes dos patriarcas. Muitos deles já haviam morrido, como o caso de Nicolau Wagner e da Eva Feilen Hoff. O lote 65 recebeu a escrituração em nome de João Hoff e Suzana Wagner Hoff e não em nome da viúva Eva Feilen Hoff, falecida três anos antes. Outros haviam vendido os lotes.
Alguns Wagner estão escriturados como proprietários dos lotes em Dona Josefa. O prazo 57a foi escriturado em nome de Jakob Wagner e Anna. Filhos: Augusto, Alberto, Augusta, Gustavo e Júlio.
O lote 66a foi concedido a Ângela Wagner, viúva de Pedro Wagner.
O lote 66b passou para João Wagner e Magdalena. O lote era de Pedro Wagner que falecera. Os descendentes de João mudaram-se em parte para Monte Alegre e para o interior de Venâncio Aires. Outros permaneceram em Dona Josefa.
O prazo 69 foi escriturado em nome de Pedro Wagner e Bárbara Mozer. O lote está limitado ao norte com o prazo de Mathias Frey; ao sul, com o lote 67 de Francisco Scherer; a oeste, com as terras da futura Linha Floresta; e a leste, com a estrada da frente (Livro IV de Registro dos Termos de Medidas, fl 10).
Lote 73b e 75: Pedro Wagner e Ana.
Lote 76b: Francisco Wagner e Susanna. Chegaram em 1878. (Registro posterior).
Prazo 84: Carlos Wagner e Maria. Filhos: Carlos, Jacó, João, Maria e Anna. Chegaram a Dona Josefa em 1873.
II – FAMÍLIA WAGNER E FAMÍLIA HOFF
9 Trier (Augusta Treverorum, Tréveris)
(Pesquisa feita por Sandino, Maria Angélica, Daniel e Mariane)
Os romanos, no primeiro século, fundaram a cidade Augusta Treverorum, em homenagem ao Imperador Augusto que dominava o povo trévero. Mais tarde, foi denominada Tréveris pelos franceses e Trier pelos alemães. No século II, os romanos levantaram uma muralha de proteção que ainda existe numa boa extensão. Na entrada da cidade, os dois lados da muralha encontram a Porta Nigra, Porta Negra, assim chamada pelas pedras escuras com que foi construída pelos romanos. Dista a mais ou menos 35 km de Weiskirchen.
Foto 3: Porta Nigra
Em Trier, os romanos construíram Termas para os banhos quentes da aristocracia, denominados Kaiserthermen (Termas imperiais).
A Konstantinbasilica, construída pelo Imperador Constantino, no século IV, foi reconstruída com novo estilo. (foto 3). Constantino foi um imperador romano que, por insistência e por orações de sua mãe Helena (depois, Santa Helena) se converteu e favoreceu o crescimento do cristianismo na Europa.
Foto 4: A basílica do Imperador Constantino
No interior da Basílica mantém–se um silêncio propício à oração. A magnitude da igreja mantém a grandeza da vida interior.
10 Weiskirchen, Saarland
Na primeira viagem de Trier a Weiskirchen (36 km) chegamos com um frio de -1 grau. O sol tentava brilhar. Aos poucos, a temperatura foi aumentando de leve, mas prevalecia o vento frio. O taxista, que nos levou de Trier a Weiskirchen, é natural da região. Durante a viagem cantou conosco algumas canções em alemão, como Oh Tannenbaum e exaltava a cidade, procurada pelo seu clima saudável (Hochwald, cheio de Tannenbäume). Os moradores de Trier, situada no vale do Mosela, costumam vir para cá por causa do clima saudável, concluiu o simpático senhor do táxi. Percebemos pelo taxista que a população pronuncia o nome de sua cidade Weiskirchen como Weiskerschen. Lembrei-me imediatamente de meu avô que também falava da mesma forma: – Ich gehe in der Kersch. (Vou para a igreja).
Na cidade fala-se Hochdeutsch, o alemão padrão, embora lá, também, seja comum ouvir: o francônio do Saar. Ao chegar à praça central de Weiskirchen, um ônibus estava esperando rapazes e moças uniformizados (Iam animar o Carnaval?) para embarcar. Um rapaz perguntou alguma coisa pela janela dentro do ônibus e uma moça respondeu do lado de fora, por acaso a nosso lado: – Neh! Ich han´s noch net. (Não. Ainda não tenho). Tive a certeza de que meus antepassados viveram aqui!
Na segunda viagem, estávamos visitando Roma e de lá entramos num voo que nos levou a Luxemburgo. Dia de sol. A aeronave passou por cima dos Alpes e vimos os picos das montanhas cobertos de neve. Em Luxemburgo, rumamos à estação ferroviária para entrar no trem a Trier – 70 km. Germana, que havia viajado conosco, foi perguntar em alemão que ela entende bem e é uma das línguas faladas em Luxemburgo. Eu fui pedir informações num arrevesado francês, outra língua dominante no país. Mariane foi perguntar a um senhor em inglês. O senhor respondeu: – Vocês não estão falando português. Eu sou português. Pronto. Tudo foi informado. Embarcamos e descemos do trem 55 minutos após em Trier. No dia seguinte resolvemos ir a Weiskiechen.
Weiskirchen situa-se no Saarland, à direita dos rios Saar que corre para o rio Mosela, afluente do rio Reno. O retorno de Merzig a Trier fizemos de trem, em paisagens lindíssimas ao longo do rio Saar, cujas margens abrigavam castelos antigos e parreiras Riesling. Em Konz, a ferrovia seguiu para Trier (Palatinado do Reno – Rheinland-Pfalz).
Foto 5 Sandino em viagem de trem de Luxemburgo a Trier
A região do Hunsrück é uma serra de montanhas baixas, localizada em parte no Palatinado do Reno e em parte no Saarland, como indica o mapa 1. Muitos de seus montes são geralmente de 400 metros de altura, como o Hochwald de Weiskirchen. Porém, há vários picos notadamente mais elevados na serra do Hunsrück, cada qual possuindo nome próprio. Por exemplo, o monte Schwarzwälde, o pico Idarwald, o Soonwald e o Binger Wald. O mais elevado de todos é o pico Erbeskopf, de 816 metros de altura.
O clima do Hunsrück caracteriza-se, sobretudo, por ser bastante chuvoso. Na região há minas de ardósia. O Hunsrück se situa dentro da região franco-renana. Produz o vinho Riesling o qual repetimos muitas vezes!
11 Ainda Weiskirchen.
Na primeira viagem a Weiskirchen encontramos famílias Wagner e Hoff num restaurante. Havia boa comida e um bom vinho Riesling. Enquanto almoçávamos, vários casais foram conversar conosco. Estavam interessados em nós, no Brasil e na visita que fazíamos à terra de nossos antepassados que saíram de Weiskirchen havia 150 anos. O dono do restaurante nos apresentou o vigário da Paróquia, Pfarrer Joachim Haupenthal, carinhosamente chamado pelos paroquianos de Haupthal (Principal). O de Pfarrer é comum; no Brasil geralmente se dá ao pastor evangélico.
Foto 6: Barco típico que navega nos rios Saar, Mosela e Reno, visto da janela do Hotel em Trier. Ali, o Mosela já recebeu as águas do Saar
11 Semi-feudalismo no Saarland até 1870
Inglaterra (1642), França e outros países europeus (1789) derrubaram o feudalismo e instalaram o capitalismo. Alemanha não. Permaneceu no regime semi-feudal, apesar das revoltas e das exigências do povo. Em 1848, a monarquia e os latifundiários Junkers das províncias de língua alemã, resistiram às reformas sociais que os camponeses, comerciantes, intelectuais, fabricantes, advogados, operários exigiram, defendendo ideias burguesas. Queriam iniciar uma nova época na Confederação Alemã para: unificar a nação de língua alemã, dividida em palatinados e províncias; terminar o regime semi-feudal e instituir o regime capitalista; instituir o sufrágio universal; e realizar a reforma agrária.
Os Junkers da Prússia, donos das terras, submetiam os camponeses a mercenarii (diaristas, jornaleiros). Sob o comando de Bismarck impediram as reformas burguesas, em 1848. As manifestações de rua exigiram do imperador Frederico Guilherme IV o apoio às teses liberais e a convocação de uma Assembléia Nacional eleita pelo sufrágio universal, mas, foram contidos pelas barricadas montadas pelo governo e latifundiários, comandados por Bismarck. Houve massacres em toda parte. O rei Frederico Guilherme IV procurou eximir-se de culpas. A população elaborou uma nova Constituição, incluindo-se nela a Unificação Alemã e convidou o imperador para ser o monarca das reformas. Pressionado pela ação dos nobres e dos latifundiários, o imperador não aceitou a Constituição liberal escrita. Os Junkers, conservadores, membros da nobreza latifundiária, retomaram pouco a pouco o controle da situação, com a ajuda dos soldados e das armas de Bismarck. O sonho da unificação havia fracassado. Os liberais, entre eles os camponeses sem terra, continuaram a lutar pela obtenção de justiça social, mas foram esmagados pelo exército prussiano.
Assim, as províncias de língua alemã, depois de 1848, permaneceram sob o domínio dos príncipes, dos latifundiários e de agricultores sem terra e impediu o avanço da indústria e a reforma agrária. Em 1857 e 1862, a família Wagner e a família Hoff resolveram abandonar o país.
O sistema semi-feudal somente foi extinto em 1870. Bismarck, agora, estava do lado das reformas. Fez a nova Constituição e a Unificação Alemã do jeito que ele e o grupo dominante queriam. Em 1870, depois da vitória sobre os franceses, Bismarck uniu dois grupos antagônicos num só projeto burguês. Conseguiu a aliança dos ultra-conservadores e latifundiários Junkers com os progressistas burgueses do comércio e da indústria. Por meio dessa união, unificou, também, as províncias e os palatinados de língua alemã, até então independentes, numa só nação, a Alemanha republicana.
Perceba o leitor que os Wagner e os Hoff deixaram a Alemanha, respectivamente 8 e 13 anos após as revoltas populares e o fracasso das reformas agrárias de 1848. Os nossos antepassados “sem-terra” na Alemanha procuraram um solo para cultivar no Brasil, especificamente em Dona Josefa.
Ouvia-se dizer em décadas passadas que nossos antepassados estavam acostumados com altas montanhas na Alemanha, motivo por que escolheram as terras em montanhas no Brasil. Isso não corresponde à verdade. Primeiro, porque não escolheram as terras em Dona Josefa. Os lotes foram agrimensurados previamente e, depois, vendidos na Alemanha por agentes e companhias. Em segundo lugar, os morros de Weiskirchen são muitos, sim, mas, não são muito elevados. A região é considerada Hochwald (mata alta), mas na cadeia de morros não há montes que tem a altura dos montes de Dona Josefa, Floresta ou do Alto Ferraz. Em terceiro lugar, porque as famílias em Weikirchen passavam fome. Filhos pequenos, também os de Nicolau/Bárbara como os de Pedro/Eva morreram em criança.
III – FAMÍLIA HOFF
12 Imigrantes Hoff
O nome Dona Josefa provém da proprietária Josepha Maria Branca Pinto Guedes, descendente de importante família militar portuguesa da época do Império, que recebera do governo imperial a sesmaria de terras extensas que abrangiam também parte do atual município de Vera Cruz. As sesmarias concedidas foram extintas com a Lei da Terra, em 1850.
Na metade do século XIX, três famílias Hoff migraram da Alemanha ao Rio Grande do Sul. Seguindo o rio Guaíba, Johann Adam Hoff instalou-se em São Lourenço, em 1862, e sua descendência espalhou-se por Barra do Ribeiro, onde existe um cemitério particular dos Hoff, Camaquã e por Guaíba. Uma segunda família Hoff adentrou o rio Caí para instalar-se em Linha São José do Hortêncio, cujos descendentes encontram-se espalhados por todo Brasil. A família de nossa descendência organizou sua vida na localidade de Dona Josefa, Colônia Santa Cruz. Se houve parentesco entre as três famílias, não sabemos. Se houve, foi seguramente antes da emigração da Alemanha.
Os Hoff de São Lourenço provieram de Haserich, circunscrição de Cochem, lado direito do rio Mosela, enquanto meus antepassados vieram de Weiskirchen, à direita do rio Saar. Cochem é uma cidade medieval, às margens do rio Mosela com um castelo medieva enorme ao alto do monte, às margens do Mosela, denominado Reichsburg. Na visita a seu interior, ouvi de um turista ao lado: – Das Ding ist grosz! (A coisa é grande). Nós também achamos. Voltando à família Hoff, informamos que a distância entre as duas cidades – Haserich e Weiskirchen, ambas do Hunsrück – é de 95 km. A família Hoff que se localizou em São José do Hortêncio também pertencia a essa região.
Meus antepassados de Weiskirchen foram Mathias Hoff (nascido em 1773) casado com Maria Michaels. Seus filhos: Pedro Hoff (1796), casado com Eva Feilen (1797); Jofrey (1794), falecido com um ano de idade; Mathias (1795); e Ângela (1799), todos registrados como filhos legítimos de Mathias Hoff e de Maria Michaels.
Pedro Hoff e Eva Feilen Hoff nasceram em Weiskirchen, respectivamente nos anos 1796 e 1797. O território estava sob o controle da França de Napoleão que fez de Tréveris (Trier) a capital do Sarre (Saar). Meus pais cantavam uma canção herdada dos antepassados: “Napoleon, du Schustergeselle, hätest du uns Deutschen den Frieden gelass, dan sistzest noch fest auf deinem Tron”. (Napoleão, seu agremiado sapateiro, se tivesses deixado os alemães em paz, seguramente ainda estarias sentado no teu trono).
Em Trier, depois de libertado do domínio napoleônico, nasceu Karl Marx, fundador do socialismo científico, que viveu na mesma época de nossos antepassados. O Museu de Karl Marx está em Trier. Com a derrota de Napoleão, em 1815, a região voltou a fazer parte da Prússia, denominada Prússia do Reno.
A família, sem o pai Pedro que havia falecido anos antes do embarque, tirou o selo de Reisse-Pass für Ausland na Preussige Regierung e embarcou no transatlântico navio Adèle rumo ao porto de Rio Grande. Do porto viajou a Porto Alegre no Vapor Continentista e lá entrou no vapor da Cia. Selbach até Rio Pardo. Os carroções contratados levaram os novos habitantes de Rio Pardo a Dona Josefa, pela estrada recém-aberta que ligava Rio Pardo a Passo Fundo e que passava por Fingerhut, depois Linha Rio Pardinho. A família Hoff, nessa localidade, tomou o rumo à esquerda, atravessou o rio Pardinho e a longa localidade de Dona Josefa para subir as montanhas que ficam no lado de cá da futura localidade de Floresta. Em 1862, Eva Feilen Hoff tinha 65 anos de idade, atravessou o oceano e viveu 9 anos em Dona Josefa antes de falecer em 1874.
Na Colônia Santa Cruz, a firma Kleudgen, agência autorizada, encarregara-se de receber os imigrantes. Um funcionário da firma acompanhava o colono até sua prévia concessão, entregava-lhe algumas ferramentas, indispensáveis ao trabalho da lavoura e alguma “ração” (tal era o nome do governo dado aos víveres adiantados aos colonos), no valor de 69$000. As despesas com essa aquisição foram somadas às prestações anuais da terra a pagar em cinco anos, iniciando o pagamento após o terceiro ano de permanência na terra.
Os filhos de Pedro Hoff (falecido em Weiskirchen) e Eva Feilen Hoff:
- Margarida Hoff nasceu em 1831 em Weiskirchen e lá contraiu matrimônio com Jacó Wagner. O casal veio junto a família Hoff a Dona Josefa em 1857. Margarida faleceu em Dona Josefa em 1864, de parto, apenas dois anos após sua chegada ao Brasil. Deixou duas filhas Margarida e Ângela.
- João Hoff nasceu em 1840 e veio com 22 anos ao Brasil, solteiro. Em 1864 contraiu matrimônio com Suzana Wagner, filha de Nicolau Wagner e Bárbara Becker Wagner que, vindos de Weiskirchen, residiam em Dona Josefa desde 1857.
- Ângela Hoff (1842) em Dona Josefa casou com Mathias Kessler em 1863. O casal adquiriu o lote 63 de Dona Josefa. O lote fazia limite ao norte com o lote de João Hoff, irmão de Ângela; ao sul, com Pedro Kessler; a oeste com a futura localidade Floresta; e a leste, com a estrada. As filhas do casal foram Margarida (1864) e Susana Kessler (1866). Margarida contraiu matrimônio com Bernardo Mathias Back em 1882. Em 1883, com 19 anos, faleceu de parto. Após o falecimento da esposa, decorrido um ano de luto, Bernardo contraiu núpcias com Susana Kessler, irmã da falecida Margarida. Dos dois casamentos de Bernardo Mathias Back provém a descendência dos Back de Dona Josefa.
Os filhos de João Hoff e Susana Wagner foram:
1 Ângela Hoff (1865) casada com Martinho Heck em 1885. O casal mudou-se com filhos para Cerro Largo em 1929. Conforme depoimento de Bernardo Hoff, dois grandes caminhões carregados de mudança estavam no pátio para sair, quando o afiançado comprador voltou atrás na compra. O irmão de Ângela, João Hoff, entrou na jogada. Selou o cavalo e foi buscar o dinheiro na venda do primo onde tinha reservas aplicadas e comprou a colônia que, depois, pertenceu ao Juca Hoff.
2 Pedro Hoff (1867) e Margarida Loebens; o casamento ocorreu em 1878.
3 João Hoff (1868) e Maria Susana Kern; o casamento ocorreu em 1894.
4 José Hoff (1870) e Maria Kern; o casamento ocorreu em 1896.
5 João Jacó Hoff (1874) e Carolina Mueller; o casamento se deu em 1901
6 Pedro Mathias Hoff (1878) e Catharina Scherer; casaram em 1900.
13 Reminiscências
Eu convivi durante 20 anos com meus avós João Hoff/Susana Kern Hoff e presenciei alguns fatos que me voltam a reminiscências.
Foto 7 João Hoff e Susana Kern Hoff, avós de Sandino.
O casal João Hoff/Susana Kern Hoff, ao repartir os bens, vivia na casa de Bernardo em Floresta, na grande casa de pedra, e cuidava do neto Alcides, cujos pais Reinaldo Hoff/Emma Schmitt Hoff, residiam em Dona Josefa, longe da escola paroquial; Alcides cursou o primário em Floresta. Reinaldo Hoff e família, inclusive Alcides, mudaram-se para Cristo Rei, Porto Novo, Santa Catarina, em 1951.
Em 1953, estando minha mãe aos cuidados de saúde na Santa Casa em Porto Alegre e o pai a visitá-la, ficamos Germana, Guido e eu em casa cuidando de tudo. O tio Bernardo nos convidou para jantar com eles e, depois, mesmo com chuva nos dirigimos para nossa casa, distante mais ou menos 400 metros. Durante o jantar de domingo à noite, com intensa chuva, apareceu o tio Aloísio Wagner, vizinho, que já tinha jantado. Descomposta a mesa de alimentação, Bernardo perguntou: – Numa noite de chuva, já tarde, já tendo jantado, tu nos vens visitar. Isso não é comum. Diga o que houve. Aloísio contou que recebera notícia seguinte de Cristo Rei. A família do Reinaldo foi trabalhar na plantação e Alcides com 14 anos foi encarregado de buscar tábuas na serraria vizinha. No andar do carroção carregado, as tábuas começaram a se mexer e Alcides desceu e foi ajeitá-las novamente. Repentinamente, as tábuas desmoronaram em cima do menino que faleceu ali mesmo. Os avós e o tio Bernardo ficaram inconsoláveis com a infausta notícia. O sentimento da morte foi muito grande. Quando meu pai, João, voltou de Porto Alegre, também ficou muito triste. Ele era o padrinho do Alcides.
Eu via meu avô sentado na cadeira de balanço a rezar o terço e via a vó também a rezar o terço caminhando na calçada. Figuras inesquecíveis. No dia 06 de janeiro de cada ano, bem cedo, os netos iam à casa do vô para ouvi-lo declamar uma poesia sobre os Reis Magos: – Da gehen de drei Könige …”. Com vistas cansadas, barba branca comprida, 90 anos, ainda era capaz de levantar o focinho de qualquer cavalo e determinar a idade certa do tordilho, observando os dentes do animal. Ele nunca deixou de trabalhar. Quando pouco enxergava, propôs-se a limpar o grande potreiro, carpindo as ervas daninhas que cresciam entre a grama. O fato de que não conseguia fazer o serviço cem por cento não tinha a menor importância, pois o potreiro ficava limpo. Após um tempo de trabalho, sentava-se à sombra (outra figura inesquecível!), tirava a palha, a faca e um pedaço de fumo de corda para fazer um cigarro palheiro. Fumava e voltava ao trabalho. Ele alisava a palha com a faca, picava o fumo em rama, algodoava suas esquírolas no côncavo da mão esquerda com a parte mais carnuda da mão direita. Depois colocava o produto na palha, ajeitando o fumo com dois dedos indicadores e enrolava o cigarro, colocando a última volta da palha nos lábios para com saliva assegurar o fechamento e, finalmente, o acendia na chama do isqueiro de pederneira. Um ritual bonito de ver.
Mesmo vivendo até 1961, costumava não usar suspensórios ou cintos; vestia as calças com um pequeno dispositivo de prender na parte de trás. A vó Suzana usava saias redondas. O fogão era propriedade dela. A tia Regina aceitava de boa. Vejo a vó até hoje em pé ao lado do fogão, mexendo continuamente no feijão da panela de ferro, uma mão segurando uma colher de pau e a outra assentada na parte de trás do corpo. De vez em quando, monitorava a carne, o arroz e outros cozidos e, logo, retornava à colher de pau. Nunca esquecia um toucinho defumado (Rauchschwaden) e folhas de louro.
O vovô conseguiu adquirir, ao longo do tempo, algumas colônias de terras. Aos domingos usava a mesa lisa para com os amigos jogar um “Schafkopf”, jogo muito conhecido na região alemã do sul do país. Os descendentes italianos utilizavam um jogo bastante parecido que eles chamavam “quatrilho”. No “Schafkopf” as 20 cartas eram repartidas a cada rodada em cinco para cada um dos quatro jogadores. Ao distribuí-las, nenhum jogador sabia quem era o parceiro daquela rodada. Somente durante o jogo daquela rodada se chegava a conhecer qual era a dupla parceira. Isso significava que as cartas é que determinavam a cada rodada quem seria a dupla parceira. As damas pretas eram as maiores do Schafkopf e quem as tinha naquele momento era parceiro; quando alguém tinha as duas maiores, a dama de copas é que era seu parceiro. Mas, isso só se revelava no transcorrer daquela rodada. Recebendo muitas cartas-trunfos bons (dama de paus, dama de espada, dama de copas, dama de ouro, valete de paus, de espada, de copas e de ouro, ás de paus, dez de paus e rei de paus), algum jogador podia proclamar “solo” e jogaria contra os outros três. Se ganhasse, levaria dinheiro dobrado dos três; se perdesse, pagava dinheiro dobrado aos três. Às vezes, se ouvia dizer já na terceira volta das cartas: – Hast der Solo verloa! Ou, falar ao que eventualmente perdia o solo: – Das war doch kein Solo! (Perdeu o solo! Mas, tuas cartas não eram para jogar solo). Quando, no caso do solo, os três perdiam, mas conseguiam fazer 31 pontos num total de 60, pagavam somente a metade. O mesmo valia para quem perdia o solo. Os 31 pontos eram chamados “Schneida”.
O próprio avô me contou que, quando tinha 12 anos, isso é, em 1880, acompanhou seu pai e irmãos para as matas do que seria posteriormente a Linha Floresta. Derrubavam árvores, cozinhavam ali e dormiam em cima de tábuas pregadas nos grandes galhos de árvores a fim de não serem atacados por um bando de catetos ou porcos-do-mato.
O irmão de João Hoff, José Hoff, casado com Maria Kern Hoff, tem uma descendência numerosa cujos nomes foram fornecidos pela neta Glicéria Wagner e pelo neto frei Nélson Mueller O.F.M. e Nelcy, religiosa franciscana que estão registrados no site.
Glicéria Müller Wagner narrou fatos vividos com seu avô José Hoff e da avó, Maria Kern Hoff.
Quando meus pais iam visitar meus avós, eu era a primeira a entrar na casa e correr para o quarto da avó. Ela sempre tinha balas que eu recebia, agradecia e corria para mostrar a minha mãe. (…). O avô fez seu quarto perto da cozinha a fim de ficar quentinho no inverno. A filha mais velha da tia Hewiges (Hoff) Mueller, a Nilda era a preferida do avô José. Ela o atendia sempre e lhe servia o “traguinho” de todas as tardezinhas.
Foto 8 – José Hoff e Maria Kern Hoff
Como o pai de Glicéria, Martim Wagner, irmão de minha mãe, era cantor e regente do coro, também na festa de São José, onomástico do avô, depois do pernil de porco, cuca e doces, cantava-se muito: “Wir sitzen so fröhlich zusammen” (Estamos sentados juntos e felizes); “Hoch sol es leben” (Vivamos solenemente); “Wer die Arbeit hat erfunden, hat na die Liebe nie gedacht” (Quem descobriu o trabalho nunca pensou no amor!); “Das Trinken sol man nicht lassen” (Nunca se deve deixar de beber); “Die Gedanken sind frei” (Livres são os pensamentos). Ao final da festa, um café colonial.
14 Colonos em Santa Cruz do Sul (Colônia Santa Cruz).
O emérito historiador Roberto Steinhaus, por muito tempo coordenador do Arquivo Histórico do Colégio Mauá, forneceu informações sobre os primeiros tempos da região. Entre elas, as três reduções jesuíticas existentes. Conheci as grandes reduções jesuíticas em território paraguaio, na Argentina e no Rio Grande do Sul. No estado gaúcho, as grandes foram as sete reduções conhecidas: São Borja (1682), São Nicolau (1687), São Luiz Gonzaga (1687), São Lourenço (1691), São João Batista (1697) e Santo Ângelo (1706), denominadas os Setes Povos das Missões. Não sabia que, além dessas, havia outras. Havia mais três reduções ao longo do rio Pardo: Uma no lado direito da confluência do rio Pardinho com o rio Pardo; outra nos nascedouros do rio Pardo, no atual município de Barros Cassal; e a terceira ao sopé do morro Botucaraí, denominada “Jesus Maria”. As três reduções foram destruídas pelo bandeirante Raposo Tavares, em 1663, que pretendia levar dez mil índios para vendê-los nas lavouras do centro do país, mas a maior parte dos indígenas fugiu.
O Museu do Colégio Mauá publicou também “Novos Petróglifos”, encontrados no sítio de Friehold Seibert em Dona Josefa (Colégio Mauá. Novos Petróglifos, p. 11 e 12). Os petróglifos são representações gravadas pelo homem da antiguidade em pedra ou em rochas. Os pesquisadores do Mauá têm vasta produção em descobertas, sejam petróglifos ou pontas de flechas.
Os primeiros tempos dos alemães foram difíceis e o trabalho duro impôs-se e os colonos faziam progressos. ROCHE escreveu a respeito: Em Santa Cruz, uma colônia comprada em 1855, a 300 mil réis, valia vinte anos depois, seis vezes mais” (ROVHE, J. A Colonização Alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Edit. Globo, p. 54).
Pelos rios Sinos, Caí, Taquari, Jacuí e Pardo, antes de 1854, navegavam 282 gabarras; em 59 somente existiam 59 gabarras, substituídas por vapores modernos, como a Selbach, a Arnt, Becker e Haensel. A estrada de ferro chegou a Santa Cruz no ano de sua emancipação, 1905, num ramal vindo de Rio Pardo.
Fumo? Sim. Santa Cruz produziu fumo. Entre 1862 e 1881 a plantação multiplicou-se por quatro. A Casa Comercial Kliemann foi firma de fumo no século XIX, a única santa-cruzense. As demais foram firmas porto-alegrenses: Fraeb, Knorr, Companhia de Fumos e Agrifolio. Todas exportavam o produto. Quem se interessar sobre a produção de fumo em Santa Cruz e região, favor abrir a Revista Redes da Unisc: Sandino Hoff. As relações sociais na produção do fumo. REDES: Revista do Desenvolvimento Regional, Vol. 19, Nº. 3, 2014.
A 16 de outubro de 1950, eu tentava ver o brilho do sol porque era um dia especial para mim. Mas, logo percebi uma leve opacidade na atmosfera. Aos poucos escurecia um pouco mais. Nuvens de gafanhotos escondiam o sol. Em poucos minutos, estavam na nossa terra em Floresta. O pai e o tio organizaram rapidamente a defesa cabível. Determinaram as tarefas de cada pessoa das duas famílias. A cavalo, ostentando uma bandeira improvisada, espantavam os bichinhos famintos por tudo o que era verde. Aos milhares, eles pousavam no chão, devorando a plantação, enquanto outras centenas de milhares voavam encobrindo o sol. A minha tarefa era cuidar da horta e espantar as vorazes criaturas. Eram tantas que esbarravam no corpo todo. O pai já me tinha dito que gafanhoto não morde. Depois do meio-dia, a nuvem já estava fora de nossas terras, voando para Dona Josefa. Todos voltaram para casa, cansados e desanimados com as perdas da lavoura. Era o dia especial de meu aniversário. Mamãe conseguiu fazer rapidamente “Brezel” para servir no café da tarde. Foi a única coisa diferente para o dia horroroso de meus 9 aninhos de idade.
Campo Grande, 2 de dezembro de 2023.
Sandino Hoff e Maria Angélica Cardoso
Contatos com a indicação do site https://hoffwagner.com.br ou